miércoles, 11 de mayo de 2011

Pis

Começam de enxergar subitamente
Por entre verdes ramos várias cores,
Cores de quem a vista julga e sente
Que não eram das rosas ou das flores,
Mas da lã fina e seda diferente,
Que mais incita a força dos amores,
De que se vestem as humanas rosas,
Fazendo-se por arte mais formosas.

.Luís de Camões.

Aunque hubiera tenido ganas de hacer pis no lo habría hecho. Portugal se ralentiza desde que amanece. Esta mujer cuidaba los servicios del parque de Eduardo VII de Lisboa. ¡Cómo despertar esa calma tan iridiscente! Imposible. Además, cómo no detenerse en ese coqueto poema de Luís de Camões donde jugar al amor dentro del follaje es llevado al rango poético de las flores. Están por verse váteres públicos en nuestro país con entradas poéticas. Con graffitis todos los que quieras. Aunque del graffiti di buena cuenta en Lisboa: del grande y del bueno.
Dormir y trabajar es una buena opción.


Carlos do Carmo & Bernardo Sassetti, Lisboa que amanhece


LISBOA QUE AMANHECE

Cansados vão os corpos para casa
dos ritmos imitados de outra dança
a noite finge ser
ainda uma criança
de olhos na lua
com a sua
cegueira da razão e do desejo

A noite é cega e as sombras de Lisboa
são da cidade branca a escura face
Lisboa é mãe solteira
amou como se fosse
a mais indefesa
princesa
que as trevas algum dia coroaram

Não sei se dura sempre esse teu beijo
ou apenas o que resta desta noite
o vento enfim parou
já mal o vejo
por sobre o Tejo
e já tudo pode ser tudo aquilo que parece
na Lisboa que amanhece

O Tejo que reflecte o dia à solta
à noite é prisioneiro dos olhares
ao cais dos miradouros
vão chegando dos bares
os navegantes
amantes
das teias que o amor e o fumo tecem

E o Necas que julgou que era cantora
que as dádivas da noite são eternas
mal chega a madrugada
tem que rapar as pernas
para que o dia não traia
Dietrichs que não foram nem Marlenes

Não sei se dura sempre esse teu beijo ...

Em sonhos, é sabido, não se morre
aliás essa é a única vantagem
de, após o vão trabalho
o povo ir de viagem
ao sono fundo
fecundo
em glórias e terrores e venturas

E ai de quem acorda estremunhado
espreitando pela fresta a ver se é dia
a esse as ansiedades
ditam sentenças friamente ao ouvido
ruído
que a noite, a seu costume, transfigura

Não sei se dura sempre esse teu beijo ...

Sérgio Godinho